49ª Mostra SP: O Irretocável O Agente Secreto

No último dia 30, assisti ao filme O Agente Secreto em uma sessão muito especial no Espaço Petrobrás de Cinema. O evento contou com a presença do diretor Kleber Mendonça Filho, produtores, distribuidora e parte do elenco (exceto Wagner Moura, que estava em cartaz no Rio de Janeiro com a peça “Um Julgamento – Depois do Inimigo do Povo”).

O filme se passa no ano de 1977, durante a Ditadura Militar no governo Geisel, e narra a história do professor Marcelo (interpretado por Wagner Moura), que logo de início, presencia a cena de um corpo abandonado em um posto de gasolina ao abastecer seu fusca amarelo, em pleno carnaval, ignorado pela polícia federal local, mais preocupada em galgar algum agrado financeiro do nosso motorista que por sua vez, corre risco de vida após descobrir um esquema de corrupção envolvendo recursos universitários onde ele trabalha, motivo esse para ser ameaçado. Tentando recomeçar ele viaja em seu Fusca amarelo até Recife para reconstruir a vida com seu filho, que mora lá com os avós maternos.

Marcelo se abriga em uma pensão para ‘refugiados’, comandada pela Dona Sebastiana, uma senhorinha simpaticíssima. Em seguida, ele começa a trabalhar em um órgão do governo destinado à emissão de carteiras de identidade, onde inicia uma busca pelo documento de sua mãe, de quem só sabe o nome, busca essa que se estende ao longo do filme, reforça o tema do apagamento da memória e da história, algo profundo em tempos de regime.

A trama se desenrola em uma época em que o filme do momento, “Tubarão”, era o assunto principal, atrelado a uma lenda urbana, a “Perna Cabeluda”, que aterroriza os moradores da região e tomava as páginas dos jornais (algo como a Mulher de Branco, de Tieta, porém, mais bizarro). Um alívio cômico, macabro, escrachado e maravilhoso.

O Agente Secreto aborda críticas, como o drama político da época ditatorial, de uma forma diferente de filmes como “Ainda Estou Aqui”. Não é uma abordagem tão óbvia mas, trata de muitas questões que permeavam o momento daquela realidade, e de outras que não permeavam tanto assim, ilustrando a cultura à crendices populares, tão latentes principalmente em algumas regiões do Brasil. mas também, despistando as atenções (como ainda acontece corriqueiramente hoje em dia), ou para mostrar que predadores absurdos estão no meio de todos nós, se alimentando da honestidade, bondade e ingenuidade alheia.

Dentro desse contexto de abusos, o filme também trata sobre acobertamentos e medos, ao mesmo tempo em que abre espaço para a fantasia na proporção exata para não invalidar os assuntos de maior seriedade, como a identidade. Mas também retrata a vivacidade do Carnaval de Recife, colorido, feliz, dando um alento em meio ao clima tenso da época.

É importante ressaltar que na verdade, Recife em si é tratada quase como um personagem na obra, viva, caótica e cheia de história, com uma atmosfera densa e sufocante, reforçando o estilo do diretor Kleber Mendonça Filho.

Talvez O Agente Secreto não seja o filme que muita gente espera, em termos de história, mas eu confesso que me surpreendi pra muito melhor, pois é um filme cheio de referências, inclusive a trabalhos anteriores do diretor.

Meu apontamento, bastante pessoal pra falar verdade é sobre a real necessidade de algumas cenas com teor sexual. Há algumas cenas, muito poucas mesmo, mas, eu questionei um pouco essa necessidade de colocar sexo e peitos de fora em determinadas partes (muito poucas, como eu disse), quando não há necessidade inevitável desse tipo de artifício. Não, sei, mas, eu sempre questiono essas cenas, seja em que filme for, dependendo de como são feitas (no sentido de contextualização). Talvez tenha me faltado entendimento e eu precise assistir mais vezes para digerir melhor mesmo.

Reconhecimento e Atuações

A atuação de Wagner Moura é irretocável. Ele é multifacetado, “muitos em um” personagem único. Ele faz tudo parecer tão simples, mas quando você começa a analisar, vê a complexidade do personagem de uma forma genuína, como só ele saberia fazer. Único. Em um país de grandes atores como temos aqui no Brasil, o Wagner talvez seja um dos grandes notáveis. As chances para o Oscar são evidentes, é um fato, especialmente após ele ter sido premiado como Melhor Ator no Festival de Cannes 2025 pelo papel.

Mas o meu destaque vai para a atriz Tânia Maria, com a personagem Dona Sebastiana, que representa a parte cômica e possui uma importância enorme para a história. Com uma atuação leve, pode passar diversas vezes na mente de quem assiste que ela improvisou cada palavra, mas não foi! Espetacular!

Vale ressaltar que o filme foi amplamente aclamado internacionalmente, tendo sido vencedor também de Melhor Direção em Cannes 2025, além do prêmio da crítica, o que reforça o prestígio da obra, competiu pela Palma de Ouro onde venceu também em algumas categorias, entre outras premiações e é um fortíssimo candidato para concorrer ao Oscar 2026 (e não é só na categoria de Filme Internacional não, mas falasse também na possibilidade de concorrer nas categorias de Roteiro Original, Melhor Ator, Melhor Direção e Melhor Filme também).

Diretor e Elenco de O Agente Secreto em Cannes 2025

Além disso, o filme tem distribuição da Neon, que possui um histórico considerável de indicações ao Oscar na categoria Filmes Internacionais, anotem essa informação.

Vale o Balde de Pipoca?

Vale demais! O filme trata de assuntos grandiosos, muitas camadas, muitas referências, as atuações estão impecáveis, tanto dos atores principais como dos personagens coadjuvantes, que são tão perfeitos que é difícil nomeá-los, pois todos entregaram o melhor do melhor. O roteiro pode parecer um tanto confuso por transitar por passagens de tempo fora de ordem, mas logo que os elementos do quebra-cabeça vão sendo despejados, você consegue montá-lo sem qualquer problemas.

O Agente Secreto estreia nos cinemas oficialmente dia 06 de novembro. É encher o balde, uma bebida geladinha e se jogar nesse que já é um filme indispensável pra todos os amantes de cinema!

Regiane Jodas

Regiane Jodas, paulistana, sagitariana, publicitária de gaveta, fotógrafa nas horas vagas, apaixonada por rock, dogs, shows, filmes e séries. Uma TDAH que está retomando o hábito da leitura

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