Antes de falar sobre o filme em si, uma história pessoal. Cerca de uma semana antes de Ainda Estou Aqui estrear no Festival de Veneza, no final de agosto de 2024, fui ao lançamento de um livro no Edifício Copan, no centro de São Paulo. O evento contava com um bate-papo entre o autor e um convidado especial que mediaria a conversa. O autor do livro era Tony Bellotto, guitarrista da banda Titãs (banda brasileira da qual sou fã), e o convidado era ninguém menos que Marcelo Rubens Paiva.
Já havia visto Marcelo em outras ocasiões, em ambientes similares ao dessa livraria. Já assisti a peças teatrais baseadas em suas obras, li alguns de seus livros e acompanho seu trabalho. Naquela noite, ele chegou atrasado. Tony já havia começado a assinar livros quando Marcelo apareceu, usando boina, blusa e casaco – fazia frio. Ele cumprimentou a todos pelo caminho e, por fim, sentou-se ao lado do autor da noite, dando início à conversa.
Em determinado momento, alguém perguntou sobre o filme baseado em seu livro, Ainda Estou Aqui, e qual era sua expectativa para o Festival de Veneza. Marcelo respondeu quase despretensiosamente, mas com um brilho nos olhos que já traduzia tudo o que estava por vir e que mal fazíamos ideia naquele momento.

O Filme e Sua Importância
Ainda Estou Aqui aborda o desaparecimento de Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello) durante a ditadura militar no Brasil, mais precisamente em 1971. O diferencial do longa é que a história é contada pelos olhos de sua esposa, Eunice Paiva, vivida impecavelmente por Fernanda Torres.
Mulher forte e determinada, Eunice teve sua vida confortável transformada da noite para o dia. Cercada de amigos, viu tudo mudar, mas lutou para manter sua família de pé. Uma mulher leve, porém firme, centrada, mesmo quando o caos e o desespero se instalavam por dentro. Nunca demonstrou fraqueza para ninguém. Nunca desistiu de encontrar seu marido. Nunca deixou de olhar para o futuro, não importa como ele viesse.

A ambientação do filme é impecável. Desde os pequenos detalhes até os grandes cenários, tudo nos transporta diretamente para a década de 70, no Rio de Janeiro. Os ambientes fechados têm uma iluminação que conversa com a narrativa. Já os espaços abertos impressionam pela autenticidade: as cenas na praia lotada, o figurino fiel à época, o comércio, os carros, as ruas… cada detalhe contribui para a imersão total na história.
Destaque para a participação especial de Fernanda Montenegro, mãe de Fernanda Torres, que, em uma cena silenciosa, traduz o fim dessa história de forma dura, triste e real. Ao mesmo tempo, seu olhar transmite amor. Um momento de reflexão inevitável para qualquer espectador, independentemente de suas convicções.
O filme ressalta como até famílias privilegiadas e influentes foram impactadas pelos acontecimentos do período. Ao humanizar os eventos históricos, transforma números frios em pessoas reais, com rotinas comuns, aproximando o público dos personagens e gerando um laço de empatia.
Uma Conquista Histórica para o Cinema Brasileiro
Quando os créditos começaram a subir ao final do filme, me lembrei daquela noite no Copan. Marcelo Rubens Paiva, um escritor brilhante, um contador de histórias excepcional, já nos dava pistas do que estava por vir. Meu coração ficou quentinho.

O mundo estava de olhos voltados para Fernanda Torres. O Brasil, através de Walter Salles, mostrava que o cinema nacional ainda está aqui, vivo – e todos precisavam saber disso.
O Brasil precisava reafirmar que é muito mais do que Carnaval e samba. Temos cinema. E mostramos isso!
Ainda Estou Aqui conquistou o Globo de Ouro de Melhor Atriz para Fernanda Torres, além de outros prêmios internacionais. E trouxe ao Brasil seu primeiro Oscar, vencendo a categoria de Melhor Filme Internacional e ainda recebendo indicações para as categorias de Melhor Filme e Melhor Atriz.
Um feito histórico. E você, já assistiu Ainda Estou Aqui? Como essa história te impactou?