
Uma confissão pessoal: não sou uma conhecedora profunda do folk, nunca me interessei em explorar a fundo suas origens, influências e evolução. Também nunca fui uma grande fã de Bob Dylan – conheço pouco, apenas de ‘forma ‘ouvidas casuais’. Minha criação musical sempre esteve mais ligada ao rock, mas, de uma forma ou de outra, o folk sempre rondou a agulha da minha vitrola, especialmente após a introdução das guitarras elétricas.
Instrumentos elétricos que geraram tantas controvérsias entre os fãs mais tradicionais do folk… é exatamente o ponto em que o tradicional e o inovador se chocam, expondo uma linha tênue entre poder ser o que esperam que você seja e o que você é seja a grande reflexão de que “Um Completo Desconhecido” nos fala.
A Jornada de Dylan: Do Ídolo Woody Guthrie à Revolução Musical
O filme retrata um recorte da vida de Bob Dylan (Timothée Chalamet), de 1961 a 1965, período em que ele chega a Nova York para conhecer seu grande ídolo, Woody Guthrie (Scoot McNairy), internado em um hospital psiquiátrico por estar debilitado pela Doença de Huntington, uma condição neurológica degenerativa. . O longa não foge da melancolia ao apresentar Guthrie dessa forma, frágil, mas, se encaixa no contexto da proposta num geral.

Logo no início da sua jornada, Dylan encanta Pete Seeger (Edward Norton) e o próprio Guthrie ao tocar ao lado da cama do hospital uma música dedicada ao seu mentor. Uma cena linda, carregada de sentimentos. É aí que o início de sua trajetória no cenário folk nova-iorquino dá seu primeiro passo, um encontro simbólico entre três figuras que moldaram a história do gênero.
O Enigma Dylan: Identidade e Relacionamentos
Desde cedo, Dylan se mostra um enigma, como pessoa e como musico. Adotando seu famoso pseudônimo, ele evita falar sobre seu passado, família ou mesmo seu nome verdadeiro, algo que Sylvie Russo (Elle Fanning) – sua namorada e ativista – tenta desvendar sem sucesso. Inspirada na real Suze Rotolo, mas com um nome fictício a pedido do próprio Dylan, Sylvie tem papel fundamental em sua vida e carreira.
No entanto, a relação entre os dois é marcada por distanciamento emocional e traições, e é muito comovente quando a própria Sylvie se dá conta do seu papel na vida de Dylan e que essa distância não é só proporcionado por outras mulheres, mas aparece quando ele se encontra envolvo com sua própria música, que sempre parece ocupar um lugar maior na vida de Bob.


Além de Sylvie, em um triângulo amoroso, Dylan se envolve com a talentosa Joan Baez (Monica Barbaro), com quem também forma uma parceria musical. No entanto, seu comportamento emocionalmente evasivo se reflete na maneira como ele trata Joan, dando a ela apenas migalhas de afeto e indo e voltando conforme sua vontade.
O Rompimento com o Folk Tradicional e o Escândalo em Newport
A transição de Dylan do folk tradicional para um estilo mais introspectivo e eletrificado causou revolta entre os puristas do gênero. No Newport Folk Festival de 1965, sua apresentação com guitarras elétricas foi recebida com vaias e um sentimento de traição por parte da plateia tradicionalista e dos organizadores. Enquanto Seeger expressava sua frustração e irritação, Johnny Cash parecia apoiar a ousadia do amigo, destacando o quanto Dylan estava disposto a seguir sua própria identidade musical, independentemente das consequências.
Timothée Chalamet e a Imersão no Personagem


Timothée Chalamet entrega uma performance surpreendente, capturando os trejeitos, a voz e a essência enigmática de Dylan. Sua dedicação ao papel é perceptível, tornando a experiência ainda mais autêntica. Em alguns momentos, sua semelhança com Billie Joe Armstrong, do Green Day, até me distraiu um pouco – mas isso é só um detalhe curioso.
Já Edward Norton, apesar de sua atuação sempre competente, acaba sendo subaproveitado na trama. Gostaria de tê-lo visto mais, mas seu personagem, Pete Seeger, mesmo aparecendo pouco, mantém sua relevância na jornada de Dylan dentro do filme.
Reflexões e Conflitos Internos
O filme nos apresenta um Dylan cada vez mais distante ao longo da história, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. Seu crescimento musical veio acompanhado de um isolamento emocional que afetou seus relacionamentos. Para Pete Seeger, para Sylvie e até mesmo para Joan Baez, ele deixou um rastro de frustração, parecendo ora mim, por vezes, ingrato por tudo que lhe foi proporcionado. Essa foi a sensação quando eu acabei de assistir o filme: ingratidão.
Mas, ao refletir mais sobre o que vi e ao pesquisar sobre a vida do cantor e sua relação com o folk cheguei a conclusão que Dylan na verdade não queria ser prisioneiro de rótulos. Ele talvez amasse Sylvie, mas suas diferenças eram irreconciliáveis, os propósitos eram outros. Sua maior paixão era encontrar uma sonoridade que expressasse sua visão única do mundo. A música era sua verdadeira identidade, algo maior do que qualquer relacionamento ou movimento musical ao qual tentassem vinculá-lo.
Vale o Balde de Pipoca?


“Um Completo Desconhecido” é um retrato de um artista em busca de identidade, tanto musical quanto pessoal. É um filme sobre rompimentos, amadurecimento e a dificuldade de pertencer a algo sem perder a essência. Das letras sobre questões políticas e sociais do folk para questões pessoais introspectivas de Bob, uma fidelidade ao que ele acreditava que se tornou ‘traição’ e enganosamente por mim como ‘ingratidão’ mas, que na verdade é só uma forma de expressar o que ele acreditava e inovar sendo ele mesmo.
Uma vez eu ouvi de um amigo que era muito difícil viver sob a expectativa do que os outros querem pra você e esse pensamento cabe perfeitamente aqui pra esse filme.
Lembrando que Um Completo Desconhecido concorreu a 8 indicações do Oscar e vale sim muitos baldes de pipoca, principalmente se você não conhece o universo do Folk e de Bob Dylan, pra terminar de ver e sair pesquisando e entrando em um mundo desconhecido e mágico!